ANAGRAMA
Solidao
Isolado
MATAN DELEK
Entram no carro. Abrem os vidros. Pegam nas máquinas fotográficas. Disparam. Tudo lhes passa pelo pequeno LCD onde fixam os olhos. Uma hora de viagem. Uma hora de passeio.
Em casa atiram-se para o sofá. Um em cada sofá. Pegam nas máquinas fotográficas. Ficam surpreeendidos com aquilo que vêem no pequeno LCD. Não tinha reparado nisto, dizem.
O pior cego é aquele que não quer ver. Na rua diriam. Malae matan delek. Atliu matan delek lakohi hare.
Entram no carro. Abrem os vidros. Pegam nas máquinas fotográficas. Disparam. Tudo lhes passa pelo pequeno LCD onde fixam os olhos. Uma hora de viagem. Uma hora de passeio.
Em casa atiram-se para o sofá. Um em cada sofá. Pegam nas máquinas fotográficas. Ficam surpreeendidos com aquilo que vêem no pequeno LCD. Não tinha reparado nisto, dizem.
O pior cego é aquele que não quer ver. Na rua diriam. Malae matan delek. Atliu matan delek lakohi hare.
FARTURA
No café, de pé. Copo na mão esquerda aprumada pelo umbigo. Mão direita no bolso escondendo apenas os dedos.
A minha casa, é uma casa farta. Anuncia em voz decidida.
A minha mulher está farta de mim. Eu estou farto da minha mulher. Eu estou farto dos meus filhos. Os meus filhos estão fartos de mim. A minha mulher está farta dos meus filhos. Os meus filhos estão fartos da minha mulher. Todos fartos da vida.
No café, de pé. Copo na mão esquerda aprumada pelo umbigo. Mão direita no bolso escondendo apenas os dedos.
A minha casa, é uma casa farta. Anuncia em voz decidida.
A minha mulher está farta de mim. Eu estou farto da minha mulher. Eu estou farto dos meus filhos. Os meus filhos estão fartos de mim. A minha mulher está farta dos meus filhos. Os meus filhos estão fartos da minha mulher. Todos fartos da vida.
LIXO
Este para o amarelo. Passar por água primeiro. Este para o azul. Espalmar com a palma das minhas mãos. Este reutilizar. Será uma flor. Ou um sol. Escolher. Separar. Tratar. Cuidar. Horas de atenção diária. Lixo que se transforma em luxo.
Por isso quando ela disse Tratas-me como lixo ele não percebeu se era elogio ou agradecimento.
Este para o amarelo. Passar por água primeiro. Este para o azul. Espalmar com a palma das minhas mãos. Este reutilizar. Será uma flor. Ou um sol. Escolher. Separar. Tratar. Cuidar. Horas de atenção diária. Lixo que se transforma em luxo.
Por isso quando ela disse Tratas-me como lixo ele não percebeu se era elogio ou agradecimento.
VAIDOSA
De manhã, no pára arranca da cidade, ele buzina e solta piropos pela janela do carro. Escolhe as mulheres mais velhas, mais gordas ou desajeitadas. Também as mais tristes. Atira convites sexuais, elogios eróticos, ameaças carnais. Brejeirices. Para lhes erguer o ego, pensa. Para lhes animar o dia, justifica-se.
Ela, visada, contou às amigas do escritório. Um tipo sem mais nem menos. Uma vergonha. Procurou, em vão, esconder a vaidade que sentia com uma falsa ofensa da dignidade.
De manhã, no pára arranca da cidade, ele buzina e solta piropos pela janela do carro. Escolhe as mulheres mais velhas, mais gordas ou desajeitadas. Também as mais tristes. Atira convites sexuais, elogios eróticos, ameaças carnais. Brejeirices. Para lhes erguer o ego, pensa. Para lhes animar o dia, justifica-se.
Ela, visada, contou às amigas do escritório. Um tipo sem mais nem menos. Uma vergonha. Procurou, em vão, esconder a vaidade que sentia com uma falsa ofensa da dignidade.
GLUTAMILTRANSFERASE
A consulta, que não era de rotina apenas por ser a inaugural, estava terminada. Três minutos para apontamentos na ficha nova e um repetimos análises lá para Fevereiro. Cuidado ligeiro com a alimentação. Foi o conselho. Mais duas palavras de circunstância interrompidas pela gama glutamiltranferase. Espere que nem reparei nisto. A coisa demorou-se então um pouco mais. Auscultação, apalpação abdominal com luvas, uso do esfigmomanómetro que havia desaparecido mas foi chamado de urgência. Exame mais longo trouxe espaço para conversa sobre a tosse de ambos e os efeitos do calor tardio. Para falar de frango que os jovens comem em execesso e de perú. Que não é coisa de que se goste. E lamentar que o stress seja tramado para o colestrol.
Repetimos as análise já para definirmos plano para o Natal. Corrigiu entretanto.
No final e perante a mão estendida do paciente a resposta delicada. Desculpe, mas não costumo cumprimentar os meus doentes. É uma questão de saúde pública.
A consulta, que não era de rotina apenas por ser a inaugural, estava terminada. Três minutos para apontamentos na ficha nova e um repetimos análises lá para Fevereiro. Cuidado ligeiro com a alimentação. Foi o conselho. Mais duas palavras de circunstância interrompidas pela gama glutamiltranferase. Espere que nem reparei nisto. A coisa demorou-se então um pouco mais. Auscultação, apalpação abdominal com luvas, uso do esfigmomanómetro que havia desaparecido mas foi chamado de urgência. Exame mais longo trouxe espaço para conversa sobre a tosse de ambos e os efeitos do calor tardio. Para falar de frango que os jovens comem em execesso e de perú. Que não é coisa de que se goste. E lamentar que o stress seja tramado para o colestrol.
Repetimos as análise já para definirmos plano para o Natal. Corrigiu entretanto.
No final e perante a mão estendida do paciente a resposta delicada. Desculpe, mas não costumo cumprimentar os meus doentes. É uma questão de saúde pública.
CHÁ GELADO
Tinha sede. Queria evitar as cervejas. Como as cerejas umas puxam outras. Como as palavras. Tinha o dia carregado. O sol e o álcool, mesmo que ligeiro, tornariam tudo mais lento. Tinha sede. Não gosta de beber água. Aqueceu água para fazer chá gelado. Menta. Despejou num jarro grande. Enquanto esperava que o chá ficasse gelado abriu uma cerveja. Tinha sede.
SUMOL
Chegam com vestes militares. Vinham da caça. Ele nos entas com os dois adolescentes. Escolhem uma mesa na esplanada e carne para o almoço. Para beber traga uma água das grandes e uma imperial. E olhe, dois sumóis de laranja. Um dos rapazes sacode a franja dos olhos e, sem olhar o pai, corrige. É só um sumol, eu não quero. Ele olha o filho e pergunta. Não queres aproveitar que estás com o pai para beber dessas coisas?
POST IT
A dona escreve não mexer nos papelinhos amarelos e cola-os nos frasquinhos de embelezamento. Não mexer. Ela lê e não mexe. Passa o pano ao largo e sopra entre os frascos. Mas não mexe. Fotografou com o telemóvel para mostrar em casa. Não mexer. Às dezenas. As prateleiras ficam coloridas, mas menos elegantes.Um dia viu no caixote do lixo um post it diferente. Meio amarrotado. Nesse não estava escrito não mexer. Estás despedida, era o que se lia entre gordura de um qualquer creme de rosto. A dona colava afinal dois post its. Um fora da embalagem. O aviso. Outro dentro. O castigo. Ela não sabia desta sentença. Descobriu-a ali. Já no lixo e sem efeito.
PAPÉIS
Ela não dorme de noite. Tem demasiadas coisas na cabeça. Deita-se cedo ao lado dele mas por volta da uma da manhã está sentada à mesa da sala. Começou a escrever uma carta para a filha. Vou escrever tudo o que não lhe consigo dizer pessoalmente. Passaram já muitas noites. Muitas coisas estão já nessa carta. Mas faltam tantas noites de insónia.Ele tem um papel com a lista dos possíveis perigos resultantes da intervenção cirúrgica que se avizinha. Pediu essa lista ao médico. Não sai de casa sem essa bula. Sem esse martírio que lê no metro a caminho do trabalho. E no percurso inverso.
INTERIOR
ela levou tudo lá de casa. Saiu em fúria e com estrondo. Sem razão. Levou tudo que cabia na camioneta alugada ou emprestada. Ele não sabe. Ficou surpreendido. Ficou sem livros, música, fotografias de pessoas que são dele. Ficou sem móveis e sem electrodomésticos. Ela quis levar-lhe memórias, apontamentos e imagens.Ele continua a cismar com o facto de ela lhe ter levado as radiografias, ecografias e outras análises clínicas.
Ela queria esquecê-lo. Mas quis levar com ela as fotografias do interior dele.
AMUO
(é só um U que separa o amuar de amar) Há palavras que têm já em si definição tão pomposa que fico amuado e mais não digo. Remeto-me e este enfado em silêncio obstinado.s. m.
1. Manifestação de enfado que se revela por um silêncio obstinado, e por se evitar de olhar para o seu causador.
2. Zanga passageira.
REBUSCADO
Como uma palavra pode ser perigosa. Ele ouviu "és um rebuscado" e virou costas vociferando. Fim de discussão. Saiu para a cozinha e arrumou a louça, estendeu a roupa enquanto pensava nessa acusação. Sou um rebuscado. Até que nesse frenesim mental de rever a acusação rebuscado rebuscado rebuscado rebuscado rebuscado tropeçou na língua e disse rebuçado. Rebuçado. Será que ela me disse "és um rebuçado" e não "és um rebuscado"? Será que ouvi no meio das coisas a coisa errada? Será que era um doce mimo e não um rude ataque? Naaaaaaa. Eu acho é que sou é um rebuçado rebuscado.
PAI AZUL
O casal falava alto. Pedia ajuda à funcionária da papelaria para comprar pincéis e tintas. Para a neta. Tem sete anos e é muito criativa. Dizia o avô. A avó falava um pouco mais alto e usava mais palavras. O pai dela morreu tinha ela 3 anos. Dias depois pintou um retrato dele. Todo azul. Só azul. Ainda está lá na parede da sala. Ela não pára de pintar e desenhar. E pela avó íamos sabendo um pouco mais. Que vivia agora com eles e que era esperta e feliz e muito talentosa e que gostava muito deles e que falava muito do pai. O avô procurava fotografias no telemóvel. Herdou o talento do pai. Está a ver? A funcionária, já do outro lado do balcão, respondeu que não, não conheceu o homem que via no pequeno ecrã. Ao ver a segunda fotografia respondeu com delicadeza. Muito bonita a vossa neta. E criativa, sublinhou a avó. Como o pai, suspirou o avô.
METADONA No supermercado do senhor Jerónimo o povo junta-se à porta antes das 9. Por causa dos frescos. Pouco depois das 9 há já gente aviada e a passar o cartão na ranhura ou, se for de chip, a inseri-lo na ranhura. A mulher muito magra chegou à caixa número 5 já lá estavam seis clientes satisfeitos. Suja e seca, com a idade apagada do corpo, segurava nas mãos uma garrafa de cerveja. A visita matinal ao supermercado resultava na compra de litro de cerveja para a viagem. Precisava das duas mãos para a carregar. Chegada à fila pediu a todos que a deixassem passar. Estava atrasada para a metadona.
DEFERIDO
ODIREFED. Nunca consegui atribuir à palavra deferido outro sentido que não o reprovado. Censurado. Recusado. Talvez porque seja tão burocrata. A palavra. Talvez porque nela se perceba um ferido. É uma palavra de ferido. Alguém maltratado. Se leio 'deferido', duvido. Foi despachado favoravelmente ou foi despachado mortalmente?
PRESILHA
A puérpera pegou no telefone assim que saiu a enfermeira. Que era urgente ligar à mulher das cortinas do quarto do bebé. Ela, a mulher das cortinas, já tinha telefonado umas cinco vezes mas ela, a puérpera, não tinha atendido porque estava a ser examinada. Suspiro. Era preciso dizer à mulher das cortinas que a bainha tinha de ser do tamanho do barão e as riscas tinham de ficar na horizontal. Não na vertical. Na bainha. A puérpera ordenou: Liga já. E gemeu ligeiramente.Mas havia outras fitas e cordões, além do umbilical, para cortar. Presilhas? Mas o que são presilhas? Entoou a puérpera na conversa seguinte.Eu quero é saber da bainha. Eu nunca pedi presilhas. Estou a ver que o Frederico não terá as cortinas no quarto a tempo.
(DISNEY) a babysitter (substituta) chegou (em emergência) já com o pequeno (18 meses) a dormir. Ela (19 anos) ficaria 3 ou 10 horas. Não sabia (não sabíamos) se o alarme (de parto) era falso. Perto da uma da manhã (e da espera), chegado a casa sem fumo branco, desliguei a televisão. A tv sintonizada (pela pequena) no Disney Channel. Aos 19, sábado à noite. A babysitter. Formação profissional.
MUDAR se consultar a palavra mudar no dicionário on line da Porto Editora, o infopedia, saberá que mudar a água às azeitonas significa, de modo coloquial, urinar. No dicionário online da Priberam não associam urina a esta pesquisa. Mas temos informação que no dia 1 de Março de 2011 a palavra mudar foi consultada 1295 vezes. E que duas pessoas gostam da palavra.
MESMO
A carne de vaca que é mesmo de vaca. O sumo de goiaba que é mesmo de goiaba. O de laranja também é mesmo de laranja. A polpa de tomate é mesmo produzida com tomates. A sobremesa de morango que sabe mesmo a morango. Os produtos portugueses que são mesmo produzidos em Portugal.Hoje tenho mesmo de trabalhar.
Tenho mesmo que ir.
ENLOUQUECER
Sinto que posso enlouquecer a qualquer momento.
A qualquer momento sinto que posso enlouquecer.
Posso enlouquecer a qualquer momento. Sinto.
Enlouquecer a qualquer momento. Sinto que posso.
Sinto que a qualquer momento posso enlouquecer.
Enlouquecer. Sinto que posso. Qualquer momento.
Sinto. Qualquer momento. Posso enlouquecer.
Qualquer momento. Sinto.
Enlouquecer.
Enlouquecer.
Sinto que posso enlouquecer a qualquer momento.
A qualquer momento sinto que posso enlouquecer.
Posso enlouquecer a qualquer momento. Sinto.
Enlouquecer a qualquer momento. Sinto que posso.
Sinto que a qualquer momento posso enlouquecer.
Enlouquecer. Sinto que posso. Qualquer momento.
Sinto. Qualquer momento. Posso enlouquecer.
Qualquer momento. Sinto.
Enlouquecer.
Enlouquecer.
AMARELO Há gostos para tudo. Se assim não fosse o que seria do amarelo. Ouvi isto tantas vezes sem nunca perceber o sentido. Que defeito terá o amarelo?
AMARELO. Tem AMAR e tem MAR e tem ELO. Podemos encontrar MAE REAL RAMA ARMA. Mas também MELOA MELRO AROMA MORAL .
Por todo, sem perder um grão de cor, transforma-se em O ALARME ou O MAL ERA ou LER A MAO
Peguemos nela. ELA RAMO. ELA MORA. ELA AMOR.
ELA MORA num prédio AMARELO.
AMARELO. Tem AMAR e tem MAR e tem ELO. Podemos encontrar MAE REAL RAMA ARMA. Mas também MELOA MELRO AROMA MORAL .
Por todo, sem perder um grão de cor, transforma-se em O ALARME ou O MAL ERA ou LER A MAO
Peguemos nela. ELA RAMO. ELA MORA. ELA AMOR.
ELA MORA num prédio AMARELO.
PINGUIM um saco plástico do mini mercado Pinguim Verde no antebraço direito. Usava-o para guardar moedas e lenços de papel usados. Na mão direita segurava o telemóvel. Cinzento como toda a roupa que usava. As botas eram verdes. A tiracolo, sobre a esquerda, uma mala de senhora preta. De lá tirava os lenços de papel. Assoava-se com a mão esquerda.
CUSTOS Foi despedido. Tem quase 60 anos. Trabalha ali há duas décadas. A política de redução de custos da empresa levou-o ao desemprego. Ouviu, surpreendido, a notícia. Não aceitou o acordo proposto. Está à espera de uma outra justiça. Todos os dias ocupa o seu lugar das 9 às 18 horas. Não tem qualquer tarefa. Fica ali sentado. Ao seu lado está o seu substituto a receber formação. A aprender com outros, e perante o seu silêncio, a fazer o que ele fazia. A aprender ser ele. Que foi despedido.
DANSAR A palavra dansar fica melhor com s (que serpenteia e tem na sua forma movimento) do que com ç (que está sentado e ancorado). Não é um erro ortográfico. É uma justiça de significado. E danso por influência da Sophia de Mello Breyner Andresen. Li, há muito tempo, numa entrevista que ela escrevia dansar e não dançar. Mas os revisores ou os editores dos seus livros corrigiam sempre. Não há liberdade para tanta poesia. E escrever dansar, só a palavra assim escrita, é já um poema.
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